Talvez o público que recentemente me acompanha estranhará o viés do artigo deste mês, mas os que me acompanham nesta minha jornada tem me perguntado o porquê de eu ainda não ter escrito aqui sobre liderança feminina no agro.
Depois de muito pensar, ponderei que o momento atual não poderia ser mais perfeito. Este mês vou deixar para outros colegas a missão de analisar conjunto de fundamentos climáticos na América do Sul, o atraso de colheita da soja e o plantio de milho, a fila de espera de navios nos portos brasileiros e os rumores de recompra chinesa na Argentina e intenção de safra recorde nos EUA. E vou oferecer aos leitores do mercado nosso de cada mês, uma leitura diferente, com uma pegada ESG e com uma pitada inspirada em inclusão.
Só vou impor uma condição, ok? Você da soja, do milho, algodão, etanol, pecuária, do dólar, do agro, leia o artigo até o fim. Combinado?
Uma vez que entramos em março, quero saber se você já escutou algo sobre “Fearless Girl”?
Bom, vamos lá! Março, além de ser o novo maio dos anos 2000, o mês do fluxo da safra, é o mês das mulheres. E “Fearless Girl”, ao contrário do que alguns possam ter pensado, não é uma expressão de mercado, nem termo para ferramenta estruturada de mitigação de risco. É o nome de uma icônica estátua que fica em frente da Bolsa de Nova York, fruto de campanha publicitária sobre diversidade no mundo corporativo financeiro.
Esta audaciosa garotinha hoje desafia aquele touro ‘brabo’ que simboliza o poder e agressividade do mercado financeiro em Wall Street, ainda dominado por profissionais homens.
A garota destemida – ou garota sem medo – é um símbolo moderno que reforça o posicionamento da mulher no mercado de trabalho e representa todas as profissionais que atuam em mercados ainda predominantemente masculinos.
Mãos na cintura, queixo erguido, olhos muito abertos e imponentes, a estátua mostra ao touro que ali também é o lugar dela. Quem já viu a estátua sabe que é mais ou menos como se ela, pelo olhar, falasse ao touro: “Pode parar, você não me assusta e eu não tenho medo de você!
E posso dizer que olhar a tal garotinha intriga. Ao menos comigo foi assim. A verdade é que eu mesma me percebi como ela: audaciosa, senhora dos seus próprios interesses, com olhar em parte ingênuo, mas agressivamente petulante e ousado que materializa uma fala marcante sem dizer ao menos uma palavra.
Trazendo esta menina destemida pra vida real e trabalhando há tantos anos em um universo frequentado por homens, posso afirmar que conheço bem a cara feia do touro quando estou “entrando no espaço dele”.
Ao longo da minha trajetória profissional muitas vezes fui a única mulher em uma sala de reunião. E mesmo após tantos anos ainda em algumas áreas há poucas referências femininas. Mas o bom da vida é que é sempre tempo para mudanças e novas fases e começos. Prova disso foi 2022 quando fui mentora de um seleto grupo de 13 profissionais em uma missão aos EUA e participamos em agosto do primeiro treinamento que a Bolsa de Chicago ofereceu para lideranças femininas em todo o mundo. Da mesma maneira, orientei dois treinamentos inéditos oferecidos pela Universidade de Illinois, em Champaing, e pela Universidade da Florida, em Lake Alfred, sobre soja e milho e citros, respectivamente.
Há duas semanas recebi um “Save the Date” para o primeiro Fórum Mulheres Anec e relembrei saudosa meu primeiro jantar no início dos anos 2000. Eu, entre quatro a cinco colegas da área naquele ano, e a cada safra cada vez mais presenças, até orgulhosamente podermos debater em um fórum em 2023.
Parece algo simples ou até ingênuo de se mencionar, mas não é. Talvez muitos nem imaginem o quanto foi percorrido para se chegar até aqui. Muito há a se fazer, que se conquistar, produzir, provar, validar, mas para um setor que renova safra a safra a nobre missão de alimentar o mundo, enfrenta desafios e que carrega o peso de oxigenar a sustentabilidade econômica do nosso País é mais necessário praticar o ESG de cada dia.
Sempre digo que a excelência do agro está nos detalhes. São os centavos na Bolsa de Chicago ou na conversão cambial, são os segundos na tomada de decisão, é a estratégia assertiva, a agilidade e também o que o mês de março representa. Um olhar diferente à gestão, ao olhar sistêmico que a mulher tem.
Que neste mês de março, dentro da meritocracia, você se permita contratar novas profissionais, estimule programas, mentores, futuras líderes, estimule suas equipes a fomentarem talentos, libere verbas maiores para ações dentro e fora da porteira, para que um ciclo novo de autoridades em diversos segmentos e cadeias se multipliquem Brasil afora e que juntos todos possamos construir o agro do futuro. Plural, mas inclusivo!
E partindo do princípio que você chegou até aqui, quero te convidar a compartilhar este texto com outras lideranças.
Artigo dedicado à minha jovem irmã Ana Caroline, menina, mulher destemida, que há 3 anos iniciou sua trajetória profissional no agro atuando no mercado de commodities agrícolas e que há 3 meses faleceu.
Andrea Cordeiro é advogada, especialista em Agronegócios pela Esalq/USP, mestranda em Negócios com China e Ásia Pacífico pela Fundação Universitária Iberoamericana
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