Marlana Zanatta
Na newsletter VERT da semana passada, começamos uma série sobre a representatividade feminina no mercado de trabalho e a busca por equidade de gênero. O primeiro tema abordado foi “mulheres no ecossistema de startups”. Hoje levantaremos a discussão sobre mulheres no agronegócio.
O agronegócio é o setor de maior destaque na economia brasileira, representando mais de 20% do PIB e um dos poucos a apresentar resultados positivos na pandemia. Mas esses números não são tão otimistas quando falamos de equidade de gênero no ramo. Apesar de as mulheres representarem 51,8% da população do país, sua presença dentro da cadeia do agronegócio ainda é um desafio a ser solucionado.
A porcentagem de participação feminina dentro e fora da porteira é discrepante. As mulheres representam 42% da força de trabalho na agricultura. A pecuária fica em segundo lugar (25%), depois a agropecuária (20%), e em último a agroindústria (13%).
Em relação à gestão de propriedade, atualmente, 18,6% das propriedades rurais são lideradas por mulheres. Segundo o Censo Agropecuário de 2017, do IBGE, o número de estabelecimentos agrícolas administrados por mulheres cresceu 38% na última década. Apesar disso, a participação feminina no mercado do agronegócio equivale a menos da metade (31,2%) da representação masculina. No primeiro trimestre de 2020, eram 5,6 milhões de mulheres empregadas no setor, ante 12,3 milhões de homens.
Andrea Sousa Cordeiro, 49, é advogada, empresária no ramo do agro e administradora do perfil @mulheresdoagronegociobrasil. Andrea atua no mercado há 24 anos e conta que o momento atual, apesar de tudo, é muito melhor do que ela presenciou no início dos anos 2000.
“Apesar de ainda existirem diferenças, nós já consolidamos nosso caminho, não tem mais como dar um passo atrás, a caminhada já foi iniciada, já foi determinado o ritmo e ele é só crescente. As empresas estão cada vez mais comprometidas e se estruturando para trazer mais mulheres para o agronegócio e estabelecer uma igualdade dentro do setor. É muito legal de ver isso hoje, porque a diferença é brutal com o cenário que presenciei quando iniciei minha carreira. Muitas vezes eu chegava em uma sala de reunião e eu era a única mulher presente. Hoje é gratificante entrar em uma sala e ver mulheres em posição de liderança representando uma companhia e dirigindo uma equipe, é uma outra realidade”, declara.
De acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), cerca de 30% dos cargos de gestão são ocupados por mulheres. Elas são responsáveis por gerenciar pelo menos 8% do PIB nacional, o que representa aproximadamente US$ 165 bilhões.
Apesar dos avanços, continuam existindo complicações no caminho. Ainda segundo a ABAG, 71% das mulheres do agro já tiveram alguma experiência em que o fato de ser mulher foi uma barreira para ser ouvida, ascender profissionalmente ou para se relacionar profissionalmente, Andrea Cordeiro faz parte dessa estatística.
“Inúmeras vezes eu fui questionada, não só no início, mas em toda minha jornada. Não raro era que alguns clientes falassem´mas ela vai participar da reunião? Quem é ela?´ ou ´ela é filha do fulano? Mas eu vou ser atendido por ela? Ela é boa no que faz?´. Diversas vezes a minha capacidade profissional foi questionada por ser mulher. Eu lembro de uma situação específica em que o cliente se negou completamente a ser atendido por mim”, conta a empresária.
Dados do Ministério da Agricultura e da Embrapa mostram que o Brasil tem mais de 5 milhões de empreendimentos rurais e quase 1 milhão de mulheres no comando das propriedades. A maioria está na região Nordeste com (57%) e a menor porcentagem fica no Centro-Oeste, que concentra apenas 6% de mulheres participantes da gestão. Importante ressaltar que 43% dos 1,3 bilhões de pequenos agricultores no mundo são mulheres, segundo a Comissão sobre a Situação da Mulher da Organização das Nações Unidas (ONU).
Andrea atribui o crescimento da participação feminina no setor a alguns fatores: globalização; mudança cultural que o Brasil vive atualmente; a pauta de inclusão de gênero cada vez mais presente e sendo cobrada na sociedade e a proliferação de grupos de mulheres pelo Brasil, fortalecendo o movimento feminino, dando suporte umas às outras, fornecendo capacitação e exigindo espaço no mercado.
Segundo o Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), em 2017, as mulheres do agro receberam cerca de 78,3% do que é pago aos homens dentro do setor. Sobre esse dado, a empresária comenta: “o salário de um gerente de um departamento não pode ser maior para um homem do que para uma mulher, se ambos os profissionais possuem capacitação para aquela função. Então não se trata só de lutar para que os postos de trabalho dentro das empresas sejam 50% homens e 50% mulheres, mas que além disso os salários também sejam de acordo com a função e capacitação dos profissionais, independente de gênero. Não adianta só querer falar bonito no dia das mulheres e pagar um salário 20% mais baixo para elas”.
Em 2014, pela primeira vez, uma mulher assumiu o comando do Ministério da Agricultura, a empresária e pecuarista, Katia Abreu. Atualmente, também temos uma mulher nesta posição de liderança, a engenheira agrônoma e empresária, Tereza Cristina. A representatividade em grandes instituições é uma questão essencial para o avanço da pauta de equidade de gênero no agronegócio.
Andrea é um exemplo disso, ela relata que recebe mensagens diariamente de mulheres contando que querem ser como ela e perguntando o que precisam fazer para seguir seus passos e alcançar o sucesso na área. “Eu não imaginava o impacto que a minha voz poderia ter na vida de tantas mulheres. Depois que comecei a receber essas mensagens, percebi que todas nós somos influenciadoras, mesmo sem saber nós impactamos a vida de outras pessoas, por isso a representatividade é tão importante”, declara.
Em relação às expectativas para o futuro a empresária diz: “Quero chegar daqui 10 anos, olhar para trás e pensar “fiz parte desse movimento, passei por várias fases e acho que agora estamos em um caminho de pensar em outras pautas porque essa finalmente foi resolvida”. Espero que no futuro as pessoas entendam que a gente não quer disputar, nós queremos agregar, queremos caminhar junto”.
Alguns dados sobre mulheres em posição de gestão no agro
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