21 de dezembro de 2024

Luciana Abeid Ribeiro Dalmagro – Histórias Inspiradoras

Sou uma entre tantas mulheres do agro deste nosso Brasil. Confesso que até pouco tempo não sabia o que significava ser uma mulher do agro. Quando comecei a estudar o assunto, conhecendo a história de tantas mulheres que fazem acontecer na produção rural e nos bastidores, entendi que sou (porque quero ser) uma mulher do agro. Faço parte da quinta geração de produtores rurais, que colocaram os pés pela primeira vez nesta terra situada na região de Ribeirão Preto/SP por volta de 1850. Minha bisavó, como a segunda geração do campo, herdou e trabalhou na nossa propriedade antes da metade do século passado. Neste mesmo período minha avó decidiu buscar outro caminho e estudar na capital. Para a época era totalmente novo ver uma menina interiorana e filha de fazendeiros estudando ciências humanas na USP. Desde sempre essa história me inspirou e me encantou. Ela me dizia que nós mulheres deveríamos nos casar somente se acontecesse de nos apaixonarmos, e não por pressão social. E ainda dizia que nossos melhores conselheiros são os livros de cabeceira. Logo entendi que nós mulheres temos que estudar muito, mas não ficar presas as histórias escritas por outros. Também temos a missão de escrever nossa própria história.

Por isso resolvi escrever a minha. No início da minha formação profissional busquei ser pesquisadora como minha mãe e minha avó. Saí de Batatais para estudar Farmácia em Campinas, depois fui para São Paulo para fazer mestrado em ciências. Trabalhei alguns anos na área, mas uma insatisfação com o que eu fazia e onde vivia me trouxe de volta para casa. Foi a chance que a vida me deu para conhecer melhor o negócio da nossa família (que o meu pai havia assumido há algumas décadas). Uma fazenda centenária que passou por várias divisões sucessórias, sempre de multiculturas, e que nos últimos 15 anos se dedicou grande parte a Avicultura. E foi conhecendo melhor a Avicultura que me encontrei. Quando entendi o tamanho e a complexidade desta cadeia eu decidi ficar para aprender, trabalhar e inovar. Escolhi ser produtora quando vi que a profissão “fazendeiro” se faz presente todos os dias na vida dos seres humanos.  Me encantei ao pensar que aquele frango que produzíamos ali na fazenda iria estar na mesa das famílias do Brasil e do mundo a fora.

Isto aconteceu há 11 anos, e com o meu interesse (e também a abertura que meus pais me deram) resolvemos trilhar juntos uma estrada longa e difícil que é sucessão familiar. Fomos rápidos para começar, pois para que este processo seja bem feito pode levar décadas. Afinal, a propriedade rural não é somente um empreendimento financeiro, é a forma de vida de muitos produtores, e isso deve ser considerado em um plano de sucessão.

Logo no início percebi que precisava me preparar para enfrentar esse desafio que é produzir alimentos. Fui estudar Gestão Empresarial, e em uma viagem para realizar um curso na área avícola conheci o Marcelo (e me apaixonei). Hoje meu marido e que também dedicou toda sua carreira à avicultura. Completamos a família com a chegada há 4 anos do mais novo produtor (como ele mesmo se chama), o nosso Antonio.

No início da minha atuação na fazenda, meu primeiro olhar foi focado na melhoria da produtividade. Passados alguns anos, e com bons resultados atingidos, comecei a me dedicar ao que realmente passou a me motivar: tornar a nossa fazenda sustentável. Sustentável de verdade. Comecei então a trilhar um caminho de desenvolvimento da propriedade em 5 pontos:

  • Liderança. Tenho sempre em mente que a liderança em uma propriedade rural tem que ser inspiradora, como em outras empresas. A responsabilidade de inspirar no ambiente rural talvez seja ainda maior, já que os líderes geralmente são familiares e não ciclam dentro da empresa. E para liderar também é preciso se desenvolver. Hoje tenho a honra de ser mentorada por uma mulher que é a minha maior inspiração no mundo dos negócios. Se eu puder dar uma dica é: peçam ajuda, procurem referências que vocês realmente admiram e acreditam.
  • Desenvolvimento do nosso time. Adotamos o programa de 5S rural, treinamentos contínuos para engajamento/comprometimento e sessões estruturadas de feedback 360. A ideia é formar um time que trabalhe com coesão e muito feliz na fazenda. Diferente de uma empresa urbana, a fazenda é uma grande comunidade onde as pessoas trabalham e moram com suas famílias. Portanto, uma missão constante para nós e buscar maior qualidade de vida com o desenvolvimento dessa comunidade rural.
  • Cuidado com o meio-ambiente. Os projetos concebidos nessa área têm muitas mãos. Com muito orgulho, digo que cada passo dado foi idealizado, projetado e executado por mim e pelo meu pai, de forma conjunta. Na fazenda atualmente geramos nossa energia elétrica (mais de 40.000 Kwh por mês) e reutilizamos água que vem por captação de chuva (armazenamos mais de 3.000.000 de litros). Reduzimos os impactos dos resíduos, através de biocompostagem de toda a mortalidade em maquinário especializado. Com isso, além de evitar impactos ambientais, ainda produzimos um riquísssimo composto orgânico posteriormente utilizado nas nossas lavouras.
  • Uso de tecnologias. Com alguns pilotos implementados, conseguimos ver a performance dos lotes em tempo real, e estamos iniciando um projeto de gestão remota de dados com a criação de uma central de controle. Controladores ambientais de alta tecnologia nos ajudam a manter o ambiente das aves sempre ideal. Além disso, estamos migrando o aquecimento dos galpões: do uso de lenha para o uso de gás. A ideia central do uso destas tecnologias é facilitar a rotina de trabalho e melhorar a qualidade de vida das pessoas, melhorar também o bem estar e produtividade dos animais, e ter o controle da propriedade onde quer que estejamos.
  • Inovação. Meu marido e eu gostamos muito de inovar, e o agronegócio é o ambiente perfeito para isso. Criamos a Startup República do Jardim®, uma pequena empresa que comercializa flores comestíveis e microgreens, seguindo os princípios da agricultura orgânica. Na estrutura da Startup há um programa de primeiro registro em carteira de trabalho para os jovens que recém saíram da escola, afinal queremos que nossos negócios também sejam empreendimentos sociais.

Conseguimos avançar muito como empresa até agora, mas ainda temos muito pela frente. Tenho pensado muito nos nossos próximos passos, para que caminho devemos seguir com tantas mudanças no mundo. Como vamos desenvolver, capacitar e dar oportunidades para as crianças e jovens que moram na fazenda, para que realmente queiram ficar no campo? Como podemos regenerar o meio ambiente que nos rodeia por lá?

Eu realmente acredito em um ambiente rural que não vai pensar só em dinheiro. Especialmente a produção de alimentos não deveria ser puramente uma atividade financeira. Ao menos para mim não é. As fazendas não são recortes de terra isolados, mas partes de um grande ecossistema. Com isso, todas nossas atividades devem ser muito bem pensadas, sempre avaliando possibilidades e impactos. Acredito que nós produtores temos a missão de ser guardiões das nossas terras, e não somente proteger, mas também regenerar, reconstruir. Temos que entregar para a próxima geração uma propriedade melhor do que recebemos: melhor em eficiência econômica, melhor no aspecto social, e enriquecendo o meio-ambiente.

Para este novo agro, temos que ter cada vez mais mulheres em posições de gestão e liderança. Sabemos o nosso potencial. Sabemos o quanto podemos acolher e desenvolver pessoas. Neste caminho, o conhecimento é a chave: que continuemos a olhar pela nossa preparação e também de outras mulheres. Parafraseando Melinda Gates, “se quisermos tornar esse nosso mundo um local realmente melhor, precisamos preparar e empoderar as mulheres de todos os cantos dos continentes”.

Luciana Abeid Ribeiro Dalmagro. Farmacêutica pela PUC Campinas, Mestre em Ciências pela UNIFESP, Gestora Empresarial pela Faap. Atualmente Gestora das propriedades rurais da família, membro efetivo do CADEC da Seara de Nuporanga/SP e Diretora do Sindicato Rural de Batatais/SP.

 

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