“Venho de uma família de agricultores, meus avós eram pequenos produtores de Santa Catarina, depois vieram para o Oeste do Paraná, buscando poder ampliar suas propriedades.
Aqui (no Oeste) meus pais com muito suor conquistaram uma propriedade maior, cultivando soja, milho e trigo. Sendo de uma família agrícola, sempre houve a cultura de que o filho homem seguiria os passos do pai e naturalmente seria seu sucessor na propriedade. Meu pai e minha mãe tiveram quatro (4) filhas, eu sou a primogênita, sendo meu pai motivo de muitos comentários maldosos por isso, e sim, ele mesmo sendo portador da mesma opinião, o cruel destino de não ter um filho homem. Sendo assim, desde cedo fomos criadas, para estudar e seguir nossos rumos fora da propriedade, todas foram morar na cidade para estudar e trabalhar. Eu me formei em matemática, e lecionava em uma cidade vizinha.
Em 24 de abril de 2008, meu pai foi assassinado em sua propriedade no fim de um dia de plantio de trigo. E este foi o meu último dia em uma sala de aula. Naquele dia, eu com 27 anos, solteira, abracei minha mãe e prometi, ” eu vou cuidar de tudo, eu vou ficar com você”.
Nem eu imaginava como iria ser difícil cumprir essa promessa. Tudo foi difícil, eu sabia o que a propriedade cultiva, mas não como se fazia isso, não tínhamos gerente, pois por ser uma propriedade media, meu pai administrava tudo, e inclusive operava as máquinas, sendo os funcionários que nos restavam, apenas operadores braçais.
Tínhamos uma dívida, havia adquirido mais uma área de terra e precisávamos produzir bem para conseguir pagar. No início eu não conseguia funcionários, primeiro porque não aceitavam receber ordem de mulheres, depois porque ninguém acreditava que daríamos certo, que logo arrendaríamos a propriedade e eles ficariam sem emprego. Os vizinhos e conhecidos também não colocam fé, achavam que logo iriamos gastar o patrimônio. Mas nós cinco nos unimos, minhas irmãs confiaram em mim e na minha mãe para tocar a fazenda.
Eu voltei a morar na propriedade, fiz vários cursos de máquinas, mecânica, plantio direto, insumos que eram utilizados, administração rural. Nestes cursos, eu tinha sempre colegas homens, os quais me deixavam excluída, isso quando eu não era motivo de piadas, mas sempre recebi dos instrutores apoio e muita paciência para me ensinar.
Minha mãe e eu tivemos que ir para cima de uma plantadeira, pois faltava gente. Como uma de nós sozinha não tinha força para levantar um saco de 50 quilos de fertilizante, íamos as duas, pra poder ajudar no plantio.
Errei muito, chorei várias noites, economizei cada tostão, minhas irmãs não pediram nada de sua parte até eu quitar toda a dívida e equilibrar a propriedade.
Também estudei muito, não perdia uma palestra na área, e tentava colocar o máximo do que aprendia em prática.
Hoje eu me orgulho muito do que minha mãe e eu construímos nestes 10 anos. Além de pagar as dívidas, já aumentamos em 40% a propriedade, tanto em terras como em máquinas. Hoje somos conhecidas na região como referência de produtividade e manejo da terra e sou parada pelos meus vizinhos para saber que variedade vou plantar, e qual manejo vou fazer.
Em 2009 eu me casei. Meu esposo é advogado e trabalha na sua área. Moramos na propriedade, ele vai para cidade todo dia. Fomos abençoados com duas filhas.
Ainda sinto forte o preconceito contra as mulheres nesta área, quando saio da minha região e me apresento como agricultora, já ligam isso a eu ser a esposa de um produtor, quando não perguntam porque meu marido não veio, mas isso só me faz querer ser melhor, para provar que a mulheres são tão boas quanto um homem em qualquer área profissional.
Márcia Piatti Bordignon é referência como agricultora no Paraná. Com sua gestão, a Fazenda 4 filhas conquistou vários prêmios de produtividade de soja, milho e trigo e em 2018 foi reconhecida nacionalmente conquistando na categoria Grandes Propriedades o 3º lugar no concurso Mulheres do Agro, realizado durante o Congresso Nacional das Mulheres do Agro.
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