Temos o maior orgulho de publicar a entrevista que nossa idealizadora Andrea Cordeiro concedeu ao Grupo Estadão sobre o protagonismo das mulheres do Agro.
Nesta entrevista, Andrea, uma das precursoras do movimento de valorização das profissionais do setor, compartilha suas impressões sobre a pauta ESG, preconceitos, desafios, avalia números de pesquisas e mostra um pouco mais sobre sua jornada em um segmento que ainda é majoritariamente exercido por profissionais homens. Com vocês a matéria na integra:
“Mulher deve ser protagonista dentro e fora da porteira’
Embora setor agropecuário esteja mais atento à questão feminina, ainda há muito o que avançar para eliminar o machismo cultural
ENTREVISTA
Andrea Cordeiro
Consultora de commodities agrícolas e idealizadora do movimento “Mulheres do Agronegócio Brasil”
Aproximadamente 20% das propriedades rurais brasileiras – 947 mil de 5,07 milhões – são administradas por mulheres, segundo dados do Censo Agropecuário 2017 do IBGE. A nova liderança feminina no setor é o mote do 6º Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA), que começou nesta segunda-feira e se encerra hoje (27). Produtoras rurais, executivas, gestoras, colaboradoras de tradings e da indústria, profissionais de cooperativas e cerealistas marcaram presença no evento.
Andrea Cordeiro, consultora de commodities agrícolas, palestrante, coautora do livro Mulheres do Agro e idealizadora do movimento Mulheres do Agronegócio Brasil, diz que a presença das mulheres em cargos estratégicos no agronegócio vem crescendo, mas ainda há espaço a ser conquistado. “Precisamos avançar dentro e fora da porteira.” Para ela, o machismo enraizado culturalmente no País é o principal entrave para o aumento da participação feminina na tomada de decisão no campo e na agroindústria. Ela conta que até hoje, após 24 anos de carreira e considerada referência na consultoria de commodities agrícolas, ainda presencia momentos em que tem sua posição questionada e colocada em xeque por seus pares masculinos. “Sinto isso quando o posicionamento em reuniões frente a um homem é percebido de maneira diferente”, relata.
Conte um pouco sobre o Congresso das Mulheres do Agronegócio, que está ocorrendo esta semana.
Andrea Cordeiro – Quando fizemos o primeiro congresso, em 2016, não havia nenhum movimento nacional. O congresso foi um catalisador para todo o trabalho que algumas lideranças já faziam, de forma isolada, com as mulheres do agronegócio brasileiro. Saímos de um primeiro encontro com 600 congressistas, 15 patrocinadoras e 35 palestrantes para um evento, no ano passado, com 2,3 mil participantes, 50 palestrantes e 30 patrocinadores. Nesta edição, contamos com cerca de 3 mil congressistas, de todos os segmentos do agro e dos setores privado e público. Hoje, temos um evento que está na pauta nacional do agro e que ganhou relevância no calendário das empresas.
“Empresas estão cada vez mais engajadas com ações que permitam a participação feminina. É um caminho sem volta”
Em quais pontos a mulher ainda precisa avançar no agronegócio?
Já demos vários passos no Brasil, mas faltam vários. O Brasil é um país que precisa ser trabalhado na questão do machismo, culturalmente muito enraizado. É um longo trabalho, que deve ser feito para a mulher consolidar seu protagonismo em qualquer setor ou segmento. A mulher do agro tem espaços para conquistar em todas as áreas e segmentos, dentro e fora da porteira. A capacitação contínua vem permitindo que a profissional consolide sua atuação. As empresas estão cada vez mais engajadas com ações que permitam a participação das profissionais. É um caminho sem volta.
“Ainda há poucas mulheres trabalhando na gestão comercial, na negociação e compras de insumos e vendas de produtos agrícolas”
Na sua percepção, quais são as atividades mais atrasadas na participação das mulheres?
Vejo ainda poucas mulheres na gestão da comercialização. Presencio muitas dentro da porteira, atuando na gestão financeira, administrativa e nas atividades diárias do campo. Porém, há poucas profissionais atuando na gestão comercial, na negociação, nas compras dos insumos, na venda dos produtos, na análise de cenários de preços e de oportunidades, traçando estratégias de hedge. Nessas atividades, percebo que a participação da mulher ainda é pequena, comparada com a do homem.
A maior participação de mulheres e a sua presença em papéis de gestão estão na agenda ESG do agro?
As empresas do agronegócio estão muito comprometidas com essa questão e o Congresso das Mulheres tem grande participação nesse engajamento. A partir desse evento, as empresas despertaram para a causa, passaram a ter olhar mais inclusivo e iniciaram ações estratégicas. Há indústrias de insumos, bancos e outras empresas com ações próprias para capacitar as mulheres e incentivar a sua presença em cargos de gestão. As empresas do agro estão totalmente engajadas na meta de inclusão das mulheres.
“Há indústrias de insumos, bancos e outras empresas com ações próprias para capacitar as mulheres e incentivar sua presença em cargos de gestão”
Uma pesquisa recente do banco Credit Suisse aponta que somente em 2045 o Brasil vai alcançar a paridade entre homens e mulheres em cargos de diretoria. Como você avalia a situação no agro?
Pelo fato de o agro ter presença de muitas multinacionais, acredito que o processo no setor será mais acelerado. A pauta da inclusão é muito importante para as empresas e está sendo muito trabalhada. É algo que não retrocede, se intensifica. As empresas estão comprometidas e, com a retomada póspandemia, veremos, nos próximos dois anos, uma aceleração de projetos. Isso me faz acreditar que, no agro, teremos equidade entre homens e mulheres muito antes da previsão do Credit Suisse. Nossas jovens não vão precisar ficar sentadas, esperando.
E no setor público? Como está a liderança feminina, considerando-se que tivemos duas ministras da Agricultura em seis anos?
O setor público caminha junto. A questão da liderança feminina caminha no mesmo sentido, tanto é que vários governos estaduais acabam reportando suas primeiras secretárias estaduais. São passos que não regridem e, cada vez mais, teremos novos nomes.
“A presença de muitas multinacionais no setor agropecuário do Brasil deve acelerar o protagonismo feminino”
Uma maior participação feminina agregaria positivamente à imagem do agronegócio brasileiro no exterior no tocante a agendas de inclusão e de responsabilidade social do setor?
Com certeza. Cada vez que realizo uma missão para o exterior com profissionais mulheres de dentro e fora da porteira, há um interesse genuíno dos países em saber o que manejamos e o que praticamos. Gerar sustentabilidade não é só ambiental. Temos que pensar na sustentabilidade social e econômica também. Não podemos pensar em um agro produtivo, engajado, cada vez mais representativo na balança comercial, que gera emprego e riqueza, sem pensar que ele seja inclusivo. Ele tem de ser plural para todos.
Falamos de Brasil, mas como é o cenário de participação de mulheres no agronegócio ao redor do mundo? Como o Brasil está em relação a outros países?
O Brasil já esteve muito mais atrasado do que está. Vemos países da América Latina partindo agora para esse movimento da valorização da participação da mulher do agro, como o Paraguai – movimento que o Brasil iniciou há seis anos. A Argentina também trabalha essa valorização. Os Estados Unidos são referência na liderança da atuação das mulheres do agro, com modelo de gestão das mulheres dentro e fora da porteira. Como temos presença de muitas empresas multinacionais, temos inspiração de ações dessas empresas internacionais e, assim, vemos o agro nacional acelerando suas políticas ESG.
“O setor público caminha junto com o privado. Tanto é que há Estados com suas primeiras secretárias de Agricultura”
Gostaria que você me contasse um pouco de sua experiência pessoal. Como mulher no agro, que desafios já enfrentou e quais ainda enfrenta?
O machismo e o preconceito não me pararam. Mas nunca desacelerei por causa disso. Me frustrei e sofri muito, mas jamais calei minha voz ou desisti de um projeto porque tentaram me fazer acreditar que eu não pudesse. Um dos grandes desafios que tive e que foi inegável foi a “síndrome da impostora”, quando diziam que eu não podia ou não dava conta. Os desafios foram muitos, mas tive coragem de não calar minha voz e de seguir. Outro desafio que ainda enfrento é o próprio fogo amigo. Sou grande defensora da sororidade, mas muitas mulheres, infelizmente, ainda não sabem a importância da sororidade. Dentro da minha atuação como especialista em agro, muitas vezes fui preterida em palestras por outros homens. Ainda hoje, os palcos nacionais são masculinos e deixo de ser convidada porque sou mulher. Até hoje, sigo tentando consolidar minha atuação, embora seja referência como consultora em commodities agrícolas.
Quais são hoje os principais entraves para aumento da participação feminina na tomada de decisão no campo?
O grande entrave ainda é o preconceito – o machismo –, seja dentro da porteira seja fora da porteira. Precisamos trabalhar muito a parte cultural.
https://summitagro.estadao.com.br/agro-no-brasil/especiais/mulher-deve-ser-protagonista-dentro-e-fora-da-porteira/
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